quinta-feira, 3 de maio de 2012

"Nossa população trans necessita de um atendimento à saúde específico"



O webdesigner Leonardo Tenório é um trans-homem. A realidade desses homens - que nascem com o sexo biológico feminino, mas que se identificam com o gênero masculino e passam a adaptar seu corpo a este gênero - é ignorada por grande parte da sociedade brasileira. No Brasil, o caso mais famoso é o do escritor João W. Nery, que acabou de lançar um livro contando sua história (leia reportagem).

Para diminuir essa invisibilidade, Leonardo Tenório criou o site FTM Brasil, baseado em experiências de outros países. FTM é a sigla, em inglês - Female to Male - que designa os trans-homens e que é adotada também no Brasil. O webdesigner informa que atualmente vem se consolidando, no Brasil, um movimento transmasculino. “Estamos nos organizando desde o final do ano passado para a criação da primeira associação no objetivo de defender os direitos humanos da população transmasculina, a Associação Brasileira de Homens Trans”, explica. 

Leonardo Tenório participará do 7º Encontro de Travestis e Transexuais da Região Sudeste, na mesa redonda “Sistema Único de Saúde: acesso, diversidade e desigualdade”, no dia 8 de maio (veja a programação completa do evento).

Como foi sua trajetória de militante transexual? 

 

Ao me descobrir homem transexual e começar a viver no gênero masculino, aparentando masculinidade e exigindo o tratamento de gênero correspondente das pessoas, percebi o quanto estava numa situação de risco. Ouvi palavras, ameaças e olhares que me deixaram alerta, além de ter sofrido uma ou outra situação mais grave de violência.

Minha proximidade com o movimento social se deu em função de uma necessidade de me proteger contra qualquer tipo de violência que eu pudesse vir a sofrer. Hoje consigo entender como ir atrás dos meus direitos e dos direitos do meu segmento social. Olhando para a situação de marginalidade e indignidade que a sociedade coloca a nós, transgêneros e transexuais, não poderia ficar de mãos atadas e apenas olhando. Precisamos todos reagir a isto.

Durante o encontro, você participará de uma mesa redonda que discutirá saúde pública. Qual a sua opinião sobre as políticas públicas de saúde para os transexuais no Brasil?

 

Nossa população trans necessita de um atendimento à saúde específico.Transformamos nosso corpo para o gênero no qual nos identificamos, isso exige um atendimento à saúde específico. A realidade é que estamos, em grande parte, fazendo tudo isso na clandestinidade e sujeitos ao risco dessa clandestinidade.

O processo transexualizador no SUS precisa ser ampliado em relação à abrangência de municípios. Precisa incluir demais transgêneros que não são transexuais, precisa diminuir a idade de entrada no serviço, que atualmente é 21 anos, e precisa melhorar a metodologia de seleção dos pacientes, que hoje é patologizante e psiquiatrizante. Isso é o que o Ministério da Saúde e demais Secretarias de Saúde podem fazer em nosso país.

Outra parcela da responsabilidade está nas mãos do Conselho Federal de Medicina, que cria normas que mais atrapalham do que facilitam a vida da pessoa transexual e transgênera. Por sua vez, o Conselho Federal de Psicologia, que já se posicionou de forma positiva à despatologização das transidentidades, ainda não se posiciona formalmente a respeito do atendimento psicológico a tais pessoas. O outro passo, e fundamental diga-se de passagem, é incluir a temática da saúde das pessoas transgêneras dentro das faculdades de psicologia e medicina, o que está a cargo do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação e dos Conselhos Federais de Psicologia e Medicina. Temos um longo caminho a percorrer e, com certeza, chegaremos lá. 

Qual a sua expectativa em relação ao evento?

 

Espero, no 7º Encontro de Travestis e Transexuais do Sudeste, contribuir para o debate sobre questões pertinentes à vivência trans. Nós, transmasculinos, estamos num processo emergente de organização, fortalecimento e visibilidade social. A invisibilidade social faz com que todas as violações de direitos humanos que passamos seja também invisível. Mas é exatamente aqui que nos inserimos. Temos a intenção de resistir e nos posicionarmos de modo a conquistarmos nossa cidadania.

Nenhum comentário:

Postar um comentário